sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O pecado da ignorância

Ignorar. Entre os mais vis e baixos instintos humanos, o ato de ignorar normalmente não está ligado a pessoas ignorantes. Francisco sabia disso. Ele gostava de ler Saramago, perdia algumas horas pensando no interessante processo que Clarice tinha ao entrar em estado de epifania e passava algum tempo tentando decifrar as saídas psicológicas de David Lynch em seus psicodélicos filmes sobre a humanidade ou a falta dela. Não poderíamos chamar Francisco de ignorante. Entretanto, era uma de suas sensações mais prazerosas quando alguém lhe indagava de algo e o intelectual apenas olhava para o nada como se o ar estivesse menos fresco depois daquela ínfima dúvida. Francisco se preocupava com os grandes projetos da humanidade. Com a cultura, a política, o poder, a educação e as necessidades básicas que um indivíduo necessitava ter para não ser um bárbaro. Era extremamente contra coisas que ele considerava fúteis. Moda, comportamento e revistas "de mulherzinha" não eram nem citadas em suas rodas de intelectuais bem formados nas cátedras cheias de detalhes de mármore, onde se discutiam da epigênese ao fim do mundo.
Não gostava de crianças que não soubessem fazem boas perguntas. Não gostava de adultos que não conseguiam formular boas respostas. Era um homem desses que a gente ouve falar em livros antigos como os "detentores do conhecimento". Suas horas eram dedicadas a intelectualidade. Seus olhos eram rápidos e viajavam como foguetes entre os textos, os livros e os ensaios científicos. Entretanto, a sua melhor capacidade era ignorar. Não se preocupava com o clima. Não era cheio de sentimentalismos, não chorava por qualquer coisa. Na verdade, quem conheceu Francisco acreditava que ele não chorava por nada. Era contido e inteligente. Apenas. Um dia, uma pequena mancha apareceu em seu braço. Anos depois de sua morte trágica, por um câncer que lhe tomou o corpo, que estava divido como um quebra-cabeça em cima de uma bancada, em uma aula de anatomia, o professor explicava que as pessoas deviam se atentar aos detalhes. Doenças e amores mal resolvidos não são coisas que se pode ignorar.