segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O pecado de acreditar

Ele a amou a primeira vez que a viu. Simples assim, como a relva orvalhada no começo da manhã. Ela tinha toda a vivacidade que ele precisava. Era terna, era altiva, era interessante como um botão de rosa ao despertar. Se conheceram num baile de carnaval e, como por coincidência, ele estava de Pierrô e ela de Columbina. Foram feitos para sempre naquela eterna caça de um gato em busca de sua presa.
Passava dias a esperá-la depois do fatídico baile, no caminho que ela fazia todos os dias à tarde, em direção ao estúdio de ballet. Mesmo que pareça piada, seu apartamento ficava na rua que todos os dias a bela moça passava com as sapatilhas penduradas nas mãos e, docemente, ela seguia pela rua desviando com piruetas de placas e transeuntes que cruzavam seu caminho. Ele a via resplandescente, iluminada, como uma estrela em sua aurora.
E em sua volta, à noite, mantinha um sorriso doce como se sua tarde tivesse sido tão perfeita como era sua existência. Depois de vê-la sumir em uma esquina, o poeta se colocava na frente de seu computador e desatava a digitar. Eram estalos eufóricos como se ele estivesse atrasado para entregar a última matéria que compunha a página principal do periódico da próxima manhã.
E, em tantos contos e poemas, imaginava como seria a partir do momento em que pudesse tocá-la e beijá-la e sentí-la. Vivia esperando suas passadas pela janela de sua casa e criava sonhos e pensamentos ideais de como seria perfeita sua vida assim que ela fizesse parte de seu cotidiano. Alguns meses passaram...A menina já não passava mais pela rua em frente a sua janela. Havia morrido em um desastroso acidente no mar. A lancha onde estava havia batido contra rochas e o mar engoliu sua beleza.
E nos mesmos horários, o velho botava-se a escrever sobre o prazer que teria quando ela fizesse parte da sua vida. E ele lembrava todos os dias do primeiro sorriso que ela deu para ele, um dia antes do acidente, há 50 anos do hoje que ele vivia. Amar é apegar-se ao que sentimos, não ao que existe.

2 comentários:

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  2. Que lindo, porém triste. O amor é esse paradoxo de alegria e tristeza; solidão e partilha; realização e sofrimento.
    O sentimento platônico de quem admira pela janela é puro, talvez seja o mais puro e indestrutível amor. É lindo por isso: nunca se modifica, pois nunca se concretiza.

    Adorei Sami. Continue escrevendo. Como você sabe, faz bem pra alma. :* Mogui

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