domingo, 17 de outubro de 2010

O pecado da ironia

Era uma tarde chuvosa. Carolina esperava alguém aparecer. Qualquer pessoa que lhe tirasse daquela vida tão parada e tão insossa que vivia a algum tempo. Já estava cansada do cotidiano que todo dia incomodava por ser exatamente o mesmo. Saia, escrevia sobre pessoas e fatos e voltava. E todos os dias tinha diferentes histórias que eram na verdade todas uma só. Ela era responsável pelo obtuário de pessoas da cidade. Já tinha se arriscado a escrever sobre outras coisas. Gostava de contar sobre a vida, mas seu enjoo a tudo e a tanta coisa, dava a ela o tempero exato para ser uma boa profissional em obtuários: ela simplesmente não se importava. E essa sua vida já tinha ficado monótona. No começo, era interessante vasculhar documentos, conversar com familiares. Saber a dose exata do sofrimento e em que partes ela podia carregar nas tintas. Nunca errou em qualquer dos textos mórbidos. Escrevia como aqueles que choravam, repleta de emoção. Mas, então, a rotina foi lhe tomando conta e nada era tão interessante. Às vezes, com semanas ensolaradas e felizes não escrevia muito. Em outras, tinha quinze mortes trágicas para contar e como suas famílias sofreram.
Mas Carolina, naquela tarde chuvosa dentro do café, pensava em algo novo que pudesse fazer. Algo com diferentes tons, diferentes momentos, que lhe tirasse um pouco de tanto preto e mortalhas que via quase todos os dias. Queria algo que fizesse o mundo saber da importância de se viver. A morte já tinha lhe enchido. Pensava em diversos projetos que tinha deixado para trás. Dá ideia de uma revista sobre pesca, ou até mesmo fazer algo interessante em tevê. Um documentário sobre a vida e seus deslizes casuais.
Então, uma ideia lhe tomou a cabeça. Porque não entrevistar diversas pessoas sobre o que elas queriam saber? Talvez ela tivesse uma ideia surpreendente e pudesse mudar o rumo da sua vida. Decidiu que faria tudo diferente. Que iria se apaixonar, emagrecer, pintar o cabelo, sonhar com novas ideias e que iria mudar.
Pela manhã, mais um obtuário de Carolina saiu no jornal. Este, escrito por ela e sobre ela. Decidiu tomar um outro caminho para casa quando, no escuro e com seu casaco preto que sempre lhe foi útil, foi atropelada por um caminhão de mudança. A vida planejada talvez tivesse que esperar para a próxima vida.

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