sábado, 9 de outubro de 2010

O pecado de parar

Severino sempre foi um homem pacato. Entre tantos desejos, talvez não ter preocupações fosse o mais presente em sua vida. O ser não se preocupava com muita coisa. Se as pessoas lhe ofendiam. Ele fingia não ouvir e, já distante da pessoa, resmungava qualquer coisa sobre o fato de não se importar. Não gostava de ter compromissos, tanto que andava pela cidade sem relógio para poder se desculpar pelos atrasos ou adiantamentos em seus encontros pré-marcados. Sempre pensava que poderia ser feliz assim. E em sua calmaria nunca deu-se ao trabalho de se importar com prazos e metas finais. Cumpria tudo que lhe pediam, mas tinha seu próprio tempo para agir. Não gostava de regras, mas cumpria muitas delas para não ser questionado depois. Enamorou-se, casou, teve casa, teve carro, teve amigos, teve tudo que qualquer homem que andou pela terra e quis ter, teve.
Entre seus quereres, sempre manteve o modo não preocupado e de não magoar as pessoas. Seus filhos e sua esposa sempre lhe diziam para dar mais atenção as coisas, mas Severino negava-se a necessidade de se preocupar tanto com tudo. Sua filha mais nova, Helena, que era como a mãe, sempre dinâmica, sempre atenta, sempre cumpridora fiel de prazos e datas decidiu-se casar e para Severino, aquilo iria mesmo acontecer, como todas as coisas aconteciam no mundo.
A menina preparou seu enxoval, organizou a festa, convidou o povo, escolheu as roupas e entre tantos afazeres acabou irritada e nervosa. E cada vez que via o pai, se irritava mais com o modo parado de ser. Sempre ralhando com o homem, disse que ele deveria estar em casa às 4 da tarde para poderem seguir para a Igreja no carro que ela tinha escolhido e o casamento deveria começar pontualmente.
Severino, foi-se. Arrumou-se, penteou os cabelos e às 4 e 10 depois de muitos xingamentos da filha estava no carro com ela. A noiva desesperada com o atraso e o cronograma do casamento apressava o motorista que já estava ficando irritado. Severino apenas dizia para a menina ter calma, que aquele nervoso todo só faria mal. O motorista virou-se para concordar com Severino e deu de frente com um caminhão. Morreram Severino e o motorista e Helena entrou em coma. Foram anos até que a noiva abriu os olhos para o mundo. Seus sobrinhos-netos corriam pelo quarto e quando sua irmã a viu de olhos abertos ficou aos prantos. A moça de 55 anos não entendia porque aquela senhora chorava tanto. A mana contou tudo que havia acontecido e dos 30 anos que ela passara em cima daquela cama, naquele quarto e nas coisas que ela não foi e não participou. Helena parou. Chocada, se colocou em frente a um espelho no quarto de desabou em lágrimas.
A irmã perguntou porque chorava. A mulher só teve ar para dizer: "-Era isso que o pai queria? Que eu tivesse calma e eu não tive!". Foi tanto desespero que um infarto dominante matou Helena, que nunca vivera para ver o que a vida reserva de bom.

Um comentário:

  1. Adorei, Sami! Nós levamos a vida assim mesmo: apressados, cheios de si, orgulhosos por cumprir as metas e os planos cotidianos... Gostei da reflexão que o seu texto propõe. Devemos parar e pensar se essa pressa toda que vivemos tem uma razão de ser...

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