segunda-feira, 13 de junho de 2011

O pecado mal dito

Arabela queria ficar. Simplesmente tão destemida como aquelas heroínas de filmes "água-com-açúcar", queria ter a oportunidade de ficar. Não sabia se era certo. Pensava nos outros, pensava em si. Desistir não era muito de seu feitio. Quando pequena, sua mãe a chamava de "tinhosa", pois a menina negava qualquer coisa que necessitasse distância de sua mesa de chá. E como eram doces as tardes em que ela se deleitava com os chás doces, doces como açúcar. Ela queria mais atenção, mais carinho e sempre se fez doce. Arabela gostava de doçura em sua vida. Não esperava respostas, apenas não gostava dos incômodos, do inconveniente momento de ter que pisar nos ladrilhos gelados e ter que ir para a escola. Arabela, mesmo tendo bela no nome era de uma "comumdade" que assustava os mais aflitos e os mais apaixonados. Gostava de ter suas regrinhas, seus pequenos desejos e não abria mão de seus sortilégios. Como era gostava de ficar. Um dia na praia, nos idos de sua infância, se enterrou na areia e decidiu que dali não sairia. E não saiu. Foi arrancada pelo pai, já meio vermelho, já muito bravo que exclamava coisas como "deixe de ser manhosa e vamos". Entretanto, nunca passou pela ideia da menina ir. Ficar era confortável, lhe dava a doce sensação (ou ilusão, quem sabe) de que nada acabaria de repente e que de uma hora para outra, ela entraria em seu quarto e a mesa de chá estaria composta, com bichos de pelúcia e bichos que moravam debaixo da cama. Ela queria ficar. Sempre quis. Então, como de sobressalto, as coisas não pareciam mais tão alegres naquele lugar. A sensação de solidão começou a apavorar a menina, a mulher, a senhora que enrolada em pano branco pedia desesperadamente para sair. "-Alguém me tire daqui. Eu não quero mais ficar! Socorro!" E de repente, depois de invadirem aquele campo branco que enojava os olhos dos mais sãos, homens lhe seguraram pelas estremidades, agulha, pontada, e o quarto foi se compondo, com a mesa de chá e os convidados para outra tarde prazerosa entre doces e a necessidade irritante dela de ficar. Necessidade ou pressão? Ficar ou não?
Ao longe se ouviam os passos dos homens indo e uma das vozes, em tom de zombaria apenas comentou:
"-Todos eles gostam de seus quartos brancos depois da primeira injeção".
Ela não sabia, mas queria ficar...

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