Estar em silêncio no meio de uma mesa cheia de pessoas alegres e felizes discutindo sobre os males da sociedade. Sorrir em uma tempestade. Perceber o adeus de um funeral em um sorriso. Compreender o outro sem nenhuma palavra. Chorar com a vitória dos conservadores. Sofrer as dores dos oprimidos. Sentir o chão tremer com o cair das folhas e flores. Ter medo de andar de dia. Ter coragem para andar no escuro, de olhos abertos, sem medo de ver o que poucos podem enxergar, dentro e fora das pessoas que conhece.
Ações como essa são típicas do pecador. Aquele que não teme as tristezas que se dão pelo caminho, mas percebe que não pode ficar parado. Percebe seu poder de ultrapassar barreiras intransponíveis. Sorri nas derrotas e em cada vitória sofre a dor de ser responsável. Responsável por tudo que sempre será nossa culpa. Culpa de termos nascido assim. Pessoas. Com sangue, suor, salive e sêmem. Com menarcas, menstruações, gravidez e menopausas. Com ciclos. Todo pecador vive os ciclos. Sente a pesada mão divina e a leveza de um gesto iluminado.
Todo pecador tem medo de não conseguir exercitar o seu pecado. De não conseguir sentir-se satisfeito. De querer ser invisível e de ter sempre as coisas de bandeja. Os pecadores sofrem com o dia ensolarado e com a chuva incessante. Choram nos dias de céu aberto e nas noites tempestuosas. Sorriem quando veem lágrimas e choram quando os sorrisos perceptíveis são aqueles que doem devagar, dilacerando cada tecido corporal, como uma foice bem afiada.
O pecador é aquele que gosta com todos os motivos que tem e quer com a intenção de se querer bem, sem querer o mal do outro. Ou não. O pecador gosta de perceber-se animal em noites e dias, já não se importando com o clima. Pecador é aquele que busca ser uma fagulha no meio do mar, ser um vendaval em uma caverna. Pecador é aquele que pode ser o que for, será por ser, e não porque disseram que seriam. Ele sente. Sentir, sensorial ou sentimentalmente, esses seres com dentes e mandíbulas são sensitivos. Seus olhos são estrelas caídas e suas vidas, cheias de altitudes.
Um pecador compreende cartografia de olhar o horizonte e compreende a literatura na voz de uma velha.
Velas acesas iluminam o caminho do pecador. Pecador que é pecador não tem medo de lançar a isca e não ter nada preso ao anzol. Porque sempre tem. Porque poder não é o que se busca. É o que se sente. Estamos presos nos emaranhados dos fios. Todos atados. Todos perdidos de maneira organizada. Uma perdição narrada em livros. Contada por sacerdotes e vivida por nós, pecadores. Todo pecador compreende que pecar não é uma escolha. É apenas um jeito de escolher. No fim, somos pecadores a partir do momento que percebemos, sabendo quem somos, que fazemos o que pudermos para nos ver completos. Pecar não faz de nós pessoas malignas, mas nos faz mais concretos. Mais próximos da terra. Mais próximos da Terra. Mais próximos de Gaia. Mas, próximos, sempre serão pecadores. Porque sabem o maior segredo do mundo. O ato que é chamado de pecado...
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